quarta-feira, 21 de março de 2007

Homenagem ao emigrante

O que eu gostava mesmo era de ser emigrante em França. Gostava de ter uma Renault Espace de matrícula amarela atrás e branca à frente. Gostava de trazer os miúdos nos bancos de trás. Gostava que eles fossem loiros, com o primeiro nome francês e o último português: um Michel da Silva, um François da Silva e uma Raquelle da Silva (não, o meu apelido não é da Silva). Gostava de comer todas as semanas bacalhau com batatas para matar as saudades e de ter sempre a televisão ligada na RTP Internacional, para ver o Telejornal e o Malato (eu faço isso, mesmo não sendo emigrante...). Gostava de ter uma esposa francesa, loira, mais alta que eu, e que teimasse em não aprender a falar português para que quando eu voltasse a Portugal, nas férias, tivesse que falar francês com ela para mostrar aos outros que sou mais culto. Gostava de ir para o aeroporto, histérico, gritar por Portugal, quando a selecção chegasse para algum jogo internacional. Gostava de vestir a camisola do Porto e ir para o Stade de France gritar pelo Sporting. Gostava de regressar em Agosto, com o carro cheio, as crianças, o cão, as malas. Ah, a mulher também. Gostava de me juntar com a família, de pôr os pés debaixo da mesa ao meio-dia e só sair às nove da noite, depois de comer o belo do churrasco, a chouriça, o caldo verde, a broa, e, claro, o garrafão de verde tinto. Gostava de ir para a praia fluvial à beira da barragem lá da terra, com a criançada, o cão, os irmãos que ficaram em Portugal, os sobrinhos que nem conheço (ah! a mulher também), ocupar o espaço dos que já lá estavam antes e incomodá-los com o barulho dos miúdos que, pouco habituados a temperaturas superiores a 15ºC, ficam excitasíssimos com a possibilidade de poderem andar sem camisola. Gostava de poder gritar bem alto: "Michel, viens ici, meu filho da p...". Gostava de ir ao supermercado da cidade mais próxima, com uma camisola do Marseille, uns calções da selecção portuguesa de 84 e o belo do chinelinho. E gostava de ir à charcutaria e fazer de conta que já não sei dizer "queria 100 g de fiambre" para mostrar à senhora empregada que falo francês.

Ai, vidas!

2 Comments:

alegadamente said...

O que eu gostava mesmo... Era de tentar mostrar ser extremamente civilizado e alertar os meus filhos para a possibilidade de uma queda falando em francês " tu vas tomber!!, marie vien ici tu vas tomber" depois quando a chavala aparentemente desobediente (ou então dura de ouvido) não vai ter com os pais e cai mesmo, como que sofrendo de esquizofrenia os pais revelam o seu verdadeiro ser "oh Maria filha da p*ta tu não oubistes chamar... (dois chapos) não bistes o c*ralho do passeio? desobedeces mais uma vez aos teus pais e dou-te com o cinto"...
E então fazer isto numa tarde de Agosto, na marginal da Póvoa de Varzim... isso sim era o meu sonho... Ou então sei lá... Ter uma mulher chamada josefine que não fizesse depilação...
Mas o que eu gosto mesmo… e de por estas coisas ** nas palavras que escrevo... e também escrever (coisas) e de muitas outras coisas…

M. Pompadour said...

looooooooool xD Muito bom e mais fixe é comprovar que esses comportamentos verificam-se mesmo! Não há nada como o belo do emigrante de camisola da selecção ou, melhor ainda e cmo eu já vi, com o símbolo da federação portuguesa de futebol tatuado nas costas! :D
Bgda pela visita no arroz.. ;)